28.3.07

Marketing Epidêmico - As lições do pioneiro

Um dos livros que li alguns anos atrás e que não sai da minha cabeça é o Ponto de Desequilíbrio de Malcom Gladwel. No livro, o escritor mostra como algumas idéias e produtos se “espalham” rapidamente como vírus sem grandes esforços de marketing.
Abaixo republico uma entrevista dada pelo autor que mostra um resumo das idéias contidas no livro.
Sugiro a leitura desse ótimo e agradável livro, principalmente porque vivemos num mundo totalmente conectado onde as “idéiasvírus” podem contaminar cada vez mais um maior número de pessoas.

As lições do pioneiro
Entrevista publicada na revista HSM Management 48 janeiro-fevereiro 2005

Em entrevista exclusiva, Malcolm Gladwell, que primeiro estudou a relação entre epidemias de doenças e “epidemias” de produtos e idéias, conta como se faz “nascer” uma mania de consumo

O sr. foi a primeira pessoa a utilizar metáforas sobre o contágio de enfermidades para se referir à divulgação em massa de idéias e produtos. Que caminho percorreu?

Fui jornalista especializado em ciências no Washington Post durante muitos anos. Nessa época, escrevi vários artigos sobre o tema. Descobri que os epidemiologistas têm uma forma muito particular de entender a propagação de certas enfermidades e que seu enfoque poderia ser aplicado a outros campos, bem além do âmbito da medicina.
Os três princípios com que esses médicos lidam servem para descrever a rápida difusão de idéias, a aceitação generalizada de um produto e qualquer fenômeno social que adquira proporções desmedidas. Os princípios são simples: os vírus têm capacidade de contágio, pequenas causas provocam grandes efeitos e, a partir de um momento-chave, uma enfermidade já não se propaga passo a passo, mas com grande rapidez.

Então, que qualidades deve ter uma idéia de negócios ou um produto para fazer esse “contágio” em grande escala?

A capacidade de contágio depende da situação ou do que interessa às pessoas em determinado momento. Em geral, descobre-se a resposta a essa pergunta pesquisando o público-alvo ao qual o produto é dirigido.
Por exemplo, o que explica a capacidade de contágio do iPod (o reprodutor de MP3 da Apple) é a simplicidade. As pessoas estavam fartas de dispositivos eletrônicos cada vez mais complexos. Ansiavam por algo simples e o iPod satisfez essa demanda.
Contudo, 20 anos antes, a simplicidade não teria sido contagiosa porque os consumidores buscavam produtos com mais funcionalidades. Portanto, não existem regras fixas, elas variam de acordo com o momento e o contexto.

O sr. poderia ilustrar os outros dois princípios, o de que as pequenas causas produzem grandes efeitos e o do momento-chave?

Fica fácil entendê-los no episódio da queda do muro de Berlim. Se nos tivessem perguntado, antes de 1989, o que poderia provocar a reunificação da Alemanha, quase todos teríamos dito que seria um processo diplomático longo e complicado ou milhões de dólares em ajuda econômica.
Contudo, as causas da queda do muro foram vários pequenos protestos na Alemanha Oriental realizados em setembro de 1989. Por alguma razão incompreensível, a polícia não os reprimiu. E eles foram crescendo nos meses seguintes até que, em 9 de novembro de 1989, milhares de pessoas se juntaram em Berlim e derrubaram o muro.

Em seu livro, o sr. salienta o “poder do contexto” como um dos fatores que influem na origem e na propagação dos fenômenos epidêmicos. O que é isso?

A idéia básica é que o comportamento humano sofre muita influência das características do ambiente. Recordemos a “teoria da janela quebrada”, dos especialistas em criminologia George Kelling e James Wilson.
Essa teoria postula que, se alguém atira uma pedra contra uma janela e ninguém se encarrega de repor os vidros quebrados, as pessoas deduzirão que o assunto é sem importância. Ao fim de algum tempo, inevitavelmente, haverá mais janelas com os vidros quebrados e o prédio transmitirá uma sensação de bagunça a toda a comunidade, permitindo o “vale-tudo”.
Ou seja, a criminalidade é um fenômeno contagioso, cuja propagação pode começar no contexto de uma simples janela quebrada. Porém, se o contexto for mudado, a reversão se torna possível.

O sr. pode dar um exemplo de empresa que modificou o contexto a seu favor e de como o fez?

O exemplo que me vem à mente agora é de uma empresa que fez isso para o público interno. Ela aplicou a chamada “regra dos 150”, segundo a qual o comportamento dos grupos humanos muda quando são compostos por mais de 150 membros; a camaradagem e a coesão, em particular, diminuem sensivelmente.
A norte-americana Gore, fabricante do tecido resistente à água Gore-Tex, decidiu que nenhuma de suas unidades poderia ter mais de 150 funcionários. Assim, conseguiu que o índice de rotatividade de pessoal ficasse um terço mais baixo que a média de seu setor e, além disso, converteu-se em uma empresa que, segundo as pesquisas, encontra-se entre as melhores para trabalhar, obtendo resultados positivos durante os últimos 35 anos. Ela adequou o contexto.

Os adeptos do chamado “marketing epidêmico” atribuem importância decisiva à propaganda “boca-a-boca”. O que as empresas devem fazer para desencadeá-la?

É preciso, antes de tudo, reconhecer a importância de dois tipos de indivíduos: os “conectores” e os “mavens”.
A palavra “maven” provém do iídiche e significa “o que acumula conhecimentos”. Utilizo-a para me referir aos peritos em informação, pessoas com tendência a recolher dados e a compartilhá-los.
Os conectores, por sua vez, caracterizam-se por conhecer muitíssimas pessoas dos mais diversos ambientes, adoram criar relacionamentos.
Numa empresa, os funcionários com essas características exercem uma função importante na comunicação interna e na resolução de problemas; por sua vez, os clientes com habilidades conectoras ou de mavens se tornam cruciais para esencadear o fenômeno boca-aboca.

Quais são as chaves para identificá-los?

Os mavens não são meros coletores de informação. Possuem informações sobre muitos produtos, preços e lugares diferentes, gostam de mergulhar em discussões com colegas e dissipar dúvidas. Constituem uma espécie de banco de dados; eles processam as informações e, assim, as facilitam. O que distingue os mavens particularmente é sua disposição de contar o que sabem a todo mundo.
Já os conectores são aqueles que divulgam a informação.

Como se escolhem os clientes que atuarão como conectores e mavens na difusão de um produto ou serviço?

As empresas devem analisar detalhadamente as diferenças em sua carteira de clientes. Os mavens, por exemplo, são quase sempre os primeiros a comprar um produto. Por esse motivo, as empresas de software os atraem com versões beta de seus programas. Fornecem os produtos para que eles os testem antes de lançá-los no mercado.
Como são curiosos por natureza, os mavens aceitam a proposta e estudam o software em busca de erros e de possíveis falhas. Esse processo, denominado beta-testing, contribui para o desenvolvimento do produto e serve para eliminar atritos na relação com os grupos de usuários especialistas que, em geral, são muito requisitados por clientes menos familiarizados com a tecnologia.
Os conectores costumam ocupar um lugar de destaque na sociedade. Para promover seus produtos, por exemplo, os laboratórios farmacêuticos poderiam identificar os médicos que têm muitos contatos, que estabelecem ligações sociais com seus colegas e que participam de congressos de medicina, entre outras atividades.
Algumas empresas nos Estados Unidos já oferecem análises de redes, isto é, estudam ambientes específicos para detectar quem ocupa papéis centrais na difusão de idéias ou produtos.

Em seu livro Marketing IdéiaVírus, Seth Godin diz que “o mito do momento-chave é perigoso, pois induz quem tem uma idéia de negócio a pensar que basta esperar o suficiente para que algo aconteça naturalmente e a idéia se propague”. Na realidade, Godin afirma que o cuidado e a alimentação de uma idéia-vírus é um processo que requer muito esforço. Qual é sua opinião?

Concordo com grande parte do que diz Godin. Não quero propagar a fé ingênua de que uma mudança de grandes proporções está logo ali ao dobrar a esquina. O que sugiro é que há momentos nos quais é possível dar um grande salto, se modificarmos o contexto e aproveitarmos, de maneira inteligente, as capacidades naturais de indivíduos com boas relações sociais e dispostos a divulgar nossas propostas.

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