14.5.07

Quer inovar? Cultura é tudo.

Um dos pensadores nacionais do management que aprendi a respeitar recentemente é Clemente Nóbrega. Físico e engenheiro nuclear por formação, Clemente Nobrega é hoje um dos principais especialistas em estratégia empresarial do Brasil, além de consultor, escritor e palestrante.

Abaixo, segue um ótimo texto que encontrei no seu site. Para aqueles que gostam de ler bons textos relacionados a administração, vale a pena ler os artigos contidos no site. Um melhor do que outro.

Quer inovar? Cultura é tudo.
Clemente Nobrega - 27 de fevereiro de 2007.

Se pusermos dois grupos de pessoas igualmente competentes para trabalhar em organizações diferentes, o que elas vão produzir será diferente. Pode ser radicalmente diferente: uma empresa quebra, a outra tem sucesso. Pessoas competentes em certa empresa são incompetentes em outra (e vice-versa). As diferenças nas “entregas” ocorre porque as organizações - independentemente das pessoas e recursos de que disponham - têm competências próprias que independem das pessoas que estejam lá. Eis um fato: a competência das empresas não é a soma das competências dos indivíduos.

Isso é uma verdade praticamente ignorada pelos gurus e empresários metidos a politicamente corretos, que acham que é de “bom tom” repetir coisas como “nosso maior diferencial são as pessoas” - como se “as pessoas” fossem, em si, a causa do sucesso. Isso é balela. Pessoas só são o maior ativo de uma empresa em uma única circunstância, muito particular: logo que essas empresas são formadas. Fora disso, nenhuma empresa tem nas pessoas o seu diferencial para o sucesso. Vamos ver por que.

As competências de qualquer empresa migram à medida que ela cresce e amadurece; antes de saírmos tentando imitar práticas de outras organizações, é bom nos fazermos a pergunta-chave: Quais as circunstâncias em que a minha empresa está agora? Elas têm a ver com as que definiram o sucesso daquela que eu estou querendo imitar? Se os “especialistas” não ignorassem que gestão é a ciência das circunstâncias, haveria muito mais luz (e menos abafamento) no mundo empresarial.

O que uma empresa é competente para fazer depende de três coisas:

a- de seus recursos;

b- de seus processos;

c- de seus critérios para definir prioridades (vamos chamar esses critérios de valores).

É analisando esses três elementos que você, como gestor, decide qualquer coisa em uma empresa. Decide como e em que inovar, inclusive.

Recursos são as coisas (ativos) que a empresa tem, pode desenvolver, contratar ou comprar: pessoas, tecnologias, marcas, produtos, dinheiro. As empresas sempre conseguem quantificar rapidamente os recursos de que dispõe. Recursos são o lado óbvio, concreto, das organizações. Elas sabem quanto têm em caixa, as tecnologias de que dispõem, seus produtos campeões, etc.

Processos (ou rotinas) são a maneira pela qual a empresa faz o que tem de fazer para gerar valor (para acionistas, clientes, empregados). Processo é como a empresa decide, como coordena tarefas, como se comunica internamente e faz as coisas fluírem para transformar o talento dos colaboradores, os equipamentos, a tecnologia, a informação, o dinheiro... em produtos e serviços de mais valor.

Valores – seguindo a maneira de Clayton Christensen definir, nada têm a ver com considerações éticas relacionadas ao bem-estar da comunidade.

Valores são os critérios por meio dos quais os gestores da empresa decidem o que priorizar: se uma certa venda para um certo cliente é atraente ou não, se certo produto deve ou não ser desenvolvido, se um cliente é mais interessante que outro. Valores aqui têm a ver com dinheiro (margem, $$). É sempre a margem histórica que determina o que é prioritário numa empresa – essa é a lei número um, e ela é que condiciona tudo o mais (“Não mexa na minha margem!”). Note que os processos são uma conseqüência dos valores. Valores dizem “o que” priorizar. Processos dizem “como” fazer isso. São os valores que determinam os processos.

Por trás de tudo estão as pessoas, claro. Em todos os níveis há gente tomando decisões o tempo todo; e essas decisões são tomadas sob o pano de fundo de processos formais ou informais (muitas vezes informais) que são especificados pelos valores da empresa.

Para guardar: processos são as maneiras pelas quais se faz o que precisa ser feito para transformar inputs (tecnologia, conhecimento, dinheiro...) em coisas que possam ser vendidas por mais do que foi gasto. Valores são as regras – o pano de fundo mental – que a empresa usa para priorizar decisões (que produto lançar que segmento atender...). Pessoas são os operadores do sistema todo; são recurso essencial para fazer as coisas acontecerem.

Nas empresas que estão estabelecidas há algum tempo, os processos evoluíram ao longo do tempo e depois se fixaram. De tanto fazerem o que deu certo para ganhar dinheiro da maneira pela qual aprenderam a ganhar dinheiro, a empresa passa a dizer: “Esses são os processos certos para planejar e lançar produtos, abordar os segmentos que escolhemos, organizar a venda...” Mas, quando tenta usar os mesmos processos para fazer coisas diferentes daquelas para as quais eles se cristalizaram, NUNCA dá certo: “um processo que determina a competência para fazer certa coisa, ao mesmo tempo define a incompetência para fazer outra”. Ou seja: a competência dos processos também (adivinha!) está intimamente ligada às circunstâncias que os criaram.

É aqui que surge uma das questões mais centrais na gestão da inovação. Quando tentam lançar um produto que está fora do padrão com o qual a empresa se acostumou historicamente (um produto de margens mais baixas ou qualidade “inferior” destinado a um público menos exigente), a tentação é sempre usar os processos já estabelecidos, mas negócios novos exigem processos novos. É por isso que, com o sucesso e o crescimento, as empresas perdem a capacidade de entrar em mercados pequenos que ainda estão em formação. Não têm os processos certos. Pensam que têm as pessoas certas porque elas tiveram sucesso no passado, no negócio estabelecido, mas isso está errado. AS COMPETÊNCIAS DAS PESSOAS TAMBÉM DEPENDEM DAS CIRCUSNTÂNCIAS EM QUE ESSAS COMPETÊNCIAS SE ESTABELECERAM. As inovações empacam porque as empresas colocam pessoas competentes para trabalhar em estruturas cujos processos e valores não foram destinados àquilo em que elas são competentes.

No início da vida de uma organização, tudo o que é realizado é atribuído aos recursos que ela tem - às pessoas, principalmente. A chegada ou saída de umas poucas pessoas pode influenciar profundamente seu sucesso.

Neste estágio sim (e só nele) está certo dizer que “as pessoas são nosso principal patrimônio”. Ao longo do tempo, porém, a concentração das competências da organização se desloca para seus processos e valores. À medida que as pessoas realizam tarefas repetidamente, os processos se tornam definidos. E à medida que a empresa toma forma e se tornam claros os tipos de negócios que devem receber mais prioridade, os valores também se estabelecem automaticamente.

Na verdade, uma razão pela qual muitas empresas jovens se queimam depois de um sucesso inicial baseado num único produto "quente", é porque esse sucesso inicial estava alicerçado em recursos - freqüentemente nos engenheiros fundadores - e eles não conseguem desenvolver processos que possam criar uma seqüência de produtos ”matadores”.

A Avid Technology, um produtor de softwares de edição digital para a televisão, é um exemplo do que pode ocorrer quando uma empresa faz muito sucesso baseado num único produto. A tecnologia da Avid acabou com o tédio do processo de editar vídeos. Por conta desse produto, as ações da Avid saltaram de 16 dólares, em seu lançamento em 1993, para 49 dólares, em meados de 1995. Contudo, as tensões de ser alguém pequeno com um único truque bacana logo emergiram quando a Avid enfrentou um mercado saturado, crescimento de estoques e de contas a receber, competição e ações na justiça movidas por acionistas. Os clientes adoraram o produto, mas a falta de processos eficazes para desenvolver consistentemente novos produtos e para controlar a qualidade, entrega e serviços, no final levaram a empresa a tropeçar.

Em contraste, nas empresas altamente bem sucedidas como a McKinsey & Company, os processos e valores (cultura!) tornaram-se tão poderosos que ela quase nem se preocupa quanto a que pessoas são designadas para quais equipes de projeto. Centenas de pessoas com MBA entram na empresa todo ano, e quase a mesma quantidade sai. Mas a empresa é capaz de produzir trabalho de alta qualidade ano após ano, porque suas competências fundamentais estão enraizadas em seus processos e valores e não em seus recursos.

Eis o enorme desafio da Apple hoje. A empresa que estava quebradinha em meados dos anos 90, trouxe Steve Jobs de volta e ele retomou o que a empresa sabia fazer bem lançando, em menos de 10 anos, três produtos de enorme sucesso: o iMac, o iPod e, agora, o iPhone. O sucesso da Apple depende crucialmente de seguir lançando continuamente produtos insanelly great. Seus Processos e Valores - ou seja, sua cultura - exigem isso. Com John Sculley e outros CEOS, a Apple tentou mudar seu DNA e fracassou. Steve Jobs, trazido de volta, opera dentro da cultura da empresa (ele foi o fundador): pessoas focadas em produzir coisas insanelly great por meio dos processos e valores estabelecidos na alma da corporação.

Quando os processos e valores de uma empresa estão se formando, em seus anos iniciais, o fundador geralmente tem um profundo impacto. Ele tem opiniões fortes sobre como os empregados devem fazer seu trabalho e que prioridades a organização precisa ter. Se os julgamentos do fundador são falhos, a empresa fracassa. Mas se são sólidos, os empregados vão atestar por si próprios a validade dos métodos do fundador para resolver problemas e tomar decisões. É assim que os processos ficam definidos. Por tentativa e erro. Do mesmo modo, se a empresa tem sucesso financeiro por alocar recursos de acordo com critérios que refletem as prioridades do fundador, os valores da empresa crescem em redor desses critérios. À medida que as empresas amadurecem os empregados gradualmente passam a assumir que os processos e prioridades que usaram com tanto sucesso e com tanta freqüência, são a maneira correta de executar seu trabalho. Quando isso acontece, eles começam a seguir processos e a estabelecer prioridades por reflexo, no “piloto automático”, não por escolha deliberada e ponderada.

Esses processos e valores passam a constituir a cultura da organização. Quando a empresa cresce e chega a milhares de funcionários, o desafio de levar todos eles a concordarem quanto ao que precisa ser feito e como deve ser feito, pode ser assustador, mesmo para os melhores gerentes. A cultura é uma ferramenta gerencial poderosa nessas situações. Ela possibilita aos empregados agir autonomamente, mas de forma consistente. Vou mostrar no próximo artigo como se pode, digamos, “manipular a cultura”, para forçar que uma certa mudança ocorra. Quem tem de fazer isso é o líder da organização; só ele tem legitimidade para isso.

Portanto, os fatores que definem competências e incompetências de uma organização, evoluem com o tempo. As competências começam com recursos depois mudam para processos e valores concretos e bem definidos; finalmente migram para a cultura. Uma cultura empresarial é um amálgama de seus processos e valores. Ninguém mais fala nessas duas coisas como entidades separadas: cultura engloba as duas.

Enquanto a organização continuar a enfrentar os mesmos tipos de problemas para os quais seus processos e valores (cultura) foram “desenhados”, tudo bem, mas como aquilo que define a competência também define a incompetência, a cultura vira incapacidade quando os problemas que a empresa encara mudam fundamentalmente. Quando as competências da organização estão em suas pessoas, mudá-las para resolver um novo problema é relativamente simples. Mas quando as competências passam a residir nos processos e valores, e, especialmente, quando estão impregnadas na cultura, as mudanças podem ser extremamente difíceis.

OBS: Este artigo é uma adaptação livre de “Meeting the Challenge of Disruptive Change".

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