30.5.07

O que é ter coragem?

Segue texto muito bom sobre coragem publicada pelo grupo HSM. Normalmente, quando os textos são longos, procuro dividí-los. Nesse caso, achei melhor não fazê-lo para o texto não perder sua "força".

Sob a armadura da coragem
Management News - 29 de Maio de 2007

A revista Fast Company revela o que os especialistas Warren Bennis, Michael Useem, John Kotter, Jeffrey Sonnenfeld, Marian Krauskopf e Noel Tichy pensam sobre o que é ter coragem na administração de um negócio. Na análise aparece, por exemplo, que a cautela é um elemento importante da coragem

O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) abordou extensamente a coragem como virtude em um dos dez livros que compõem a Ética a Nicômaco, obra que dedicou a seu filho. Mas captar a essência dessa virtude não é fácil. As definições do que a constitui variam não apenas entre culturas, como também entre indivíduos. Para alguns, coragem é a falta de medo em uma situação que, normalmente, geraria esse sentimento. Outros sustentam que quem tem medo e o supera é que demonstra coragem.

O fato é que essa questão tem grande importância para quem aspira a tornar-se líder, principalmente porque tanto sua ausência como seu excesso criam problemas de enormes proporções nas organizações. Carecer de coragem é sinônimo de covardia, e ninguém segue um líder covarde; tê-la em dose demasiada pode levar à irresponsabilidade, um atributo que nenhuma empresa deseja ter.

A revista Fast Company pesquisou o trabalho de seis reconhecidos especialistas em liderança dos Estados Unidos e destacou o que eles já escreveram sobre coragem.

O que é coragem?
Warren Bennis: Uma qualidade instintiva. Não provém do cérebro, mas do coração. E Howard Schultz, o líder da rede de cafés Starbucks, fornece um bom exemplo. Há algum tempo, ele se propôs abrir lojas de sua rede fora dos Estados Unidos, mas ficou desanimado pelos resultados da pesquisa de mercado encomendada a uma firma de consultoria. A idéia não era abraçada por seu próprio pessoal. Então, ele me deu um telefonema. Sem entrar em detalhes, disse: “Existe algo que quero fazer a que quase todos se opõem. O que você me aconselha?”. Respondi: “Até que ponto você confia em seu instinto, seu desejo visceral, seu coração?”. Pude senti-lo sorrir ao telefone. E acrescentei: “Por que não dá ouvidos a seu coração?”. Essa é uma maneira alternativa de tomar uma decisão difícil.

Entretanto, recomendei a Schultz que dedicasse algumas horas a escutar seus subordinados, a fim de conhecer suas preocupações. E observei: “Talvez você mude de opinião. Mas, se não for assim, explique-lhes com todas as palavras: ‘Acredito que estou no caminho certo. E preciso de todo seu apoio. Vamos fazê-lo’”. E assim foi.

John Kotter: A coragem é um forte compromisso emocional –e “emocional”, aqui, é a palavra-chave– com algumas idéias. Essas idéias podem representar a visão da posição para a qual queremos levar a empresa ou os valores que consideramos importantes. Quando as pessoas, além de pensar que suas idéias estão certas, estão comprometidas emocionalmente com elas, defendem-nas a ferro e fogo. Isso é coragem. E, quanto mais altas forem as barreiras que se interpõem a seus ideais, mais oportunidades haverá para atos de coragem. Os indivíduos que fazem história como grandes líderes sempre passam por essas provas de fogo.

Como se diferencia o corajoso do imprudente?
Warren Bennis: A resposta a isso não está em nenhum livro. Foi uma boa idéia lançar o “Dia D”, da Segunda Guerra Mundial, em 6 de junho de 1944? O clima era péssimo no dia 5, e também não foi melhor no dia 6. Todo ato de coragem implica um risco. A única coisa que nos pode ajudar a ver o resultado é o passar do tempo.

É possível preparar-se para ser corajoso?
Michael Useem: Para mim, o exemplo de “treinamento para a coragem” é o de Gene Kranz. Toda sua experiência como chefe das missões da Nasa em terra equivalia ao melhor treinamento possível. “O fracasso não é uma opção”, disse ao trazer a Apolo 13 de volta à Terra com a tripulação sã e salva. Sentia-se confiante porque tinha experiência suficiente. Além disso, conhecia sua equipe em Houston. Ao analisar seus recursos e recordar as outras missões que dirigira, pôde planejar com sucesso a melhor forma de trazer a Apolo 13 para casa.

O melhor modo de se preparar para os momentos difíceis é fazer sempre o que os militares chamam de “revisão posterior à ação”. O aconselhável é praticá-la com regularidade, e não só no trabalho, mas também no campo pessoal. Falei com empreendedores que têm o costume de parar ao final de cada semana para refletir sobre as decisões que tomaram.

Analisam o que fizeram, o que poderiam ter feito de modo diferente e extraem lições que lhes servirão como referência.

Igualmente importante é nos colocarmos em situações capazes de nos afastar de nossa “zona de conforto”. Quanto mais nos obrigarmos a fazer coisas diferentes, mais bem preparados estaremos para render mais sob muita pressão. Eu sugiro 30% de coisas diferentes.

Podemos –e devemos– simular coragem?
Michael Useem: Em um período de crise, a demonstração de coragem pode ser vital para infundir energia nas pessoas. No entanto, não é possível simular nada em uma posição de liderança. As pessoas percebem. Eu diria até que sentem o cheiro. Se alguém tenta parecer-se com George Patton, as pessoas pensam: “Que falso!”. E, em conseqüência, sua credibilidade desaparece.

O essencial, isso sim, é ter confiança e otimismo, inclusive nos momentos mais difíceis, quando tudo parece sombrio. Basta pensar em Nelson Mandela, que foi presidente da África do Sul. Ele esteve por 27 anos na prisão. Imagino que em mais de uma ocasião terá sentido desânimo, mas, pelo que se sabe, nunca renunciou a sua convicção de que algum dia a África do Sul evoluiria de um regime de apartheid para uma democracia multirracial. Tenho certeza de que alguns membros de seu partido, o Congresso Nacional Africano, chegaram a lhe dizer: “Nelson, agora chega, isso é ridículo. Seu otimismo é descabido”. E também tenho certeza de que, em seus momentos de reflexão, Mandela terá tido dúvidas. Mas, externamente, é fundamental mostrar otimismo.

O estresse estimula a coragem ou a sufoca?
Michael Useem: Na psicologia organizacional se utiliza um gráfico para mostrar que o desempenho das pessoas experientes, quando estão submetidas a níveis muito baixos de estresse, não costuma ser tão bom como quando o nível de tensão é moderado. Mas isso se refere a pessoas experientes e é uma curva parabólica. Sobe durante um tempo –mais estresse, melhor desempenho– e depois chega ao “ponto do pânico”. Quando o estresse supera esse ponto, o desempenho rola ladeira abaixo. A tarefa do líder é assegurar-se de que quem trabalha para ele não chegue a esse nível.

A coragem é uma resposta individual ou de grupo?
Warren Bennis: Exceto em situações-limite, a coragem não é produto de uma conduta individual. Em combate [Bennis foi o mais jovem comandante de infantaria dos EUA na Segunda Guerra Mundial], vi as pessoas fazer coisas que eram uma loucura. Nosso médico, por exemplo, não hesitou em pôr em risco sua vida para colocar um torniquete em um soldado ferido. O que fez deveu-se ao fato de sentir-se, verdadeiramente, parte do batalhão.

As pessoas fazem coisas mais ousadas quando estão em grupo. E os líderes determinam metas e as personificam por meio de um comportamento simbólico, para que sua gente os siga. Quando Cícero falava, as pessoas se maravilhavam; quando César falava, as pessoas se colocavam em marcha. É preciso coragem para conseguir que outros se perfilem atrás das idéias que alguém transmite.

Marian Krauskopf: O bom líder se caracteriza por avaliar que respaldo um ato de coragem terá. A diretoria e o conselho de administração apóiam o que ele está prestes a fazer? Seus subordinados estão com ele? Não é comum assumir atitudes ousadas sem saber como é a provável rede de proteção ao redor. É assim que se avalia a coragem.

Noel Tichy: É preciso assegurar um grupo mínimo de seguidores fiéis, pessoas capazes de encarregar-se da resistência e de compartilhar alguns atos de audácia. Caso contrário, a tarefa é muito solitária e está destinada ao fracasso.

Por exemplo, acredito que Jacques Nasser foi um líder valente quando presidiu a Ford Motor, mas, infelizmente, não conseguiu construir uma coalizão consistente a seu redor.

Como um líder pode levar seus subordinados a demonstrar garra?
John Kotter: O fundamental é conseguir que aceitem a idéia de que, se correrem riscos, ninguém vai atirar neles.

Como se relacionam os valores com a coragem?
Michael Useem: Quando alguém está prestes a tomar uma decisão rápida sobre um tema importante, deve lembrar-se dos princípios que defende, porque a tentação de violar os compromissos mais básicos costuma ser grande sob a pressão do momento.

O exemplo que mais influenciou meu pensamento é o do general Peter Pace, que, na Guerra do Vietnã, era um oficial de apenas 22 anos. Certo dia, no comando de um exercício de reconhecimento de rotina, o soldado que o acompanhava foi ferido de morte por um franco-atirador de um povoado próximo. Pace se comunicou com o operador de rádio para ordenar uma descarga de artilharia sobre o povoado. Nesse instante, um sargento de 20 anos fitou-o como se fosse um assassino. Pace captou a mensagem. Quais seriam os habitantes do povoado? E cancelou o ataque. Aproximaram-se do povoado com cuidado e viram que ele era habitado apenas por mulheres e crianças. O franco-atirador já tinha ido embora.

Existe coragem na paciência?
Warren Bennis: É óbvio que sim. Bessinger, meu capitão na guerra, teve a coragem de ser paciente. Eu era um menino e me queixava da inadequada cobertura aérea e dos tanques de apoio. Um dia murmurei: “Não sei com que diabos vamos ganhar esta maldita guerra, a menos que...”. E Bessinger interrompeu minha frase com um grito: “Basta! Também temos um exército”. Essa era a verdade que eu precisava escutar. Se as pessoas crêem verdadeiramente no que estão fazendo, a paciência é sinônimo de coragem.

Como se pode definir a liderança corajosa na atualidade?
Jeffrey Sonnenfeld: Hoje a coragem que se aprecia é do tipo cauteloso e reflexivo. O conceito de audácia foi distorcido por essa geração de aventureiros que embarcaram em uma aquisição atrás da outra: Dennis Kozlowski na Tyco, Ken Lay na Enron, Bernie Ebbers na WorldCom, e por aí vai. Eles ficaram viciados em águas agitadas. Não houve lógica nem coragem empresarial no que fizeram.

O que vemos hoje em casos exemplares, como Pfizer, IBM, General Electric e 3M, é a adoção de grandes idéias. Seus líderes voltaram a usar a imaginação. Estão financiando a pesquisa e, é claro, será necessário algum tempo até que as idéias se materializem. Suas visões estão modeladas pelo espírito empreendedor, que é parte da história dessas empresas. As lendas que perduraram têm relação com os feitos dos pioneiros: um fundador de visão ou um reformador-chave. Na IBM, a referência já não é Lou Gerstner, mas sim Thomas Watson Jr. e sua aposta no mainframe 360. Até o McDonald’s está redescobrindo Ray Kroc. Os líderes voltaram a se perguntar qual é a natureza central de seu negócio e como podem levá-lo até o limite.

Como um CEO consegue que o conselho de administração o acompanhe em seus atos corajosos?
Jeffrey Sonnenfeld: O que se deve fazer é “educar” o conselho. É preciso reforçar a divergência ou conseguir que as pessoas adotem a postura de “advogado do diabo”, para conseguir criar uma cultura que aceite o risco.

Não é uma tarefa fácil. Os conselhos atuais sentem aversão a riscos de qualquer tipo: financeiro, legal, de reputação. Em vez de estimular a coragem, seus membros cruzam os braços, ansiosos por mostrar atitude vigilante. Por isso, os CEOs não podem mostrar-se vulneráveis e pedir ajuda, que, diga-se de passagem, são componentes-chave da coragem. Uma concepção meramente formal de governança não anima ninguém a assumir riscos.

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