Estudioso da criatividade, o psicólogo americano diz que os grandes talentos trabalham muito e buscam ser originais
Por LEOLELI CAMARGO (Revista Istoé)
O psicólogo americano Robert Weisberg, 64 anos, dedica-se a estudar a criatividade humana. Para tanto, o professor da Universidade de Temple, na Filadélfia, vem esquadrinhando a vida e a obra de gênios das artes e da ciência, como Mozart e Einstein, em busca de explicações diferentes do mito de que a criatividade é um privilégio de poucos. Em livros e artigos sobre o tema, ele tem mostrado que a inventividade dos gênios difere muito pouco daquela que o restante da humanidade emprega diariamente em tarefas corriqueiras do dia-a-dia. Para Weisberg, a produção de obrasprimas ou de grandes descobertas científicas depende de um elenco de fatores, e não apenas de inspiração. O que difere os gênios do restante da humanidade, acredita o psicólogo, é a vontade genuína de produzir algo inteiramente novo, e a perseverança para alcançar esse objetivo. Weisberg falou à ISTOÉ quando esteve em São Paulo, recentemente, para participar do Congresso Pitágoras, promovido por um instituto de ensino para discutir educação, no qual analisou a criatividade e a inovação no mundo contemporâneo.
ISTOÉ – O que significa ser criativo?
Robert Weisberg – É produzir coisas novas o tempo todo, intensamente, em grande e pequena escala. Não importa se você inventa um gravador digital ou prepara um prato juntando ingredientes de uma forma inédita. O principal é que se trata de algo novo e feito de forma intencional, não por acidente.
ISTOÉ – Uma boa parte de seu trabalho é dedicada a desmistificar a figura do gênio. Quais são os equívocos mais comuns a respeito das pessoas altamente criativas?
Weisberg – A primeira é que apenas um tipo específico de pessoa é criativa, e que ela usa processos mentais diferentes do restante dos seres humanos. Existe um mito de que os gênios usam processos inconscientes para criar suas obras ou têm patologias mentais que contribuem no processo criativo. Isso não é verdade.
ISTOÉ – Mas não se pode dizer que são pessoas comuns.
Weisberg – As diferenças existem, claro. Picasso, por exemplo. Um aspecto bem distinto dele foi sua produtividade. Ele trabalhava o tempo todo e queria, propositadamente, criar coisas novas. Quase todos nós podemos aprender a desenhar. Não acho que essa habilidade seja o que o diferencia do restante, mas talvez o desejo de produzir algo novo, que afete o mundo.
ISTOÉ – Como a ciência está ajudando a provar que as obrasprimas não são o resultado de um talento muito especial ou de um momento de iluminação?
Weisberg – Pesquisadores como eu analisam minuciosamente casos específicos, como o de Picasso e de Mozart, e os comparam com estudantes universitários comuns. A idéia é buscar similaridades entre os processos mentais desses dois grupos analisando o comportamento deles.
ISTOÉ – E o que já se concluiu com essas análises?
Weisberg – A principal conclusão é a de que os gênios sobressaem porque se comprometem de uma maneira muito mais intensa com o que querem alcançar. A vida, para os gênios, se resume ao trabalho. Todo o resto está subjugado a isso, o que torna a convivência com eles bastante difícil. Mas todos podem ser gênios.
ISTOÉ – É possível que, em algum nível, a criatividade extrema seja o resultado de algum processo inconsciente do cérebro?
Weisberg – Existem dois usos para o termo inconsciente. Um é tudo aquilo que se torna automático, como levantar e andar, ou outras coisas que você faz sem pensar. O outro é o inconsciente freudiano, no qual as conexões são mais obscuras e freqüentemente relacionadas a eventos ocorridos no passado, especialmente na infância.
ISTOÉ – Esse tipo de inconsciente está relacionado à alta criatividade?
Weisberg – Alguns pesquisadores acham que sim. Eu sou mais cauteloso.
ISTOÉ – Por quê?
Weisberg – Porque muitas das explicações que vi ao estudá-lo não são tão boas assim sob o ponto de vista da ciência. Elas ilustram uma história, mas como é possível obter comprovação científica delas? Como provar realmente que, ao pintar a Mona Lisa, Leonardo Da Vinci estava fazendo uma referência inconsciente à própria mãe? Não há evidência suficiente para afirmar isso. É apenas uma história. Você acredita ou não.
ISTOÉ – A criatividade é nata ou é possível desenvolvê-la ao longo da vida?
Weisberg – As duas coisas. Quando nós, humanos, nos adaptamos constantemente a um mundo que muda de maneira vertiginosa, estamos sendo criativos. Afinal, estamos fazendo algo que nunca fizemos antes. Isso mostra que a criatividade é nata e que todos podemos ser mais ou menos criativos. Por outro lado, também é possível desenvolver a criatividade estimulando a evolução de uma habilidade específica. Fazendo isso de forma sistemática, muitos excedem em seu campo de atuação.
ISTOÉ – Com o que se sabe hoje, é possível afirmar que a criatividade tem alguma origem nos genes?
Weisberg – Não sou geneticista, mas hoje uma série de estudos já demonstrou que a forma como o seu genoma se expressa depende do ambiente social, cultural e, sobretudo, biológico em que você se desenvolve. Dizer que a origem da criatividade está apenas nos genes ou apenas no estímulo a certas habilidades é uma premissa equivocada. Ela resulta da interação de tudo isso.
ISTOÉ – A criatividade de uma pessoa é afetada pela forma como ela foi criada por sua família?
Weisberg – Já existe evidência de que os prodígios, já em idades iniciais, contam com um grande apoio de seus familiares para desenvolver suas habilidades. Por exemplo: há pais que se mudam para o outro lado do país para proporcionar melhores professores a seus filhos. Mas há também o suporte negativo. A irmã mais velha de Mozart também tocava piano e, diz-se, era muito melhor do que ele nesse instrumento. Mas ela era mulher e, na época, todo o suporte foi dado ao desenvolvimento do pequeno Mozart. Se ela tivesse recebido a mesma atenção, talvez tivesse se saído até melhor do que ele.
ISTOÉ – Qual a influência da personalidade nesse processo?
Weisberg – Há muita discussão sobre o que constitui a mente criativa. Observando a personalidade de Picasso ou de Einstein, por exemplo, é difícil estabelecer se eles se transformaram em pessoas altamente criativas por conta de sua personalidade ou se ela foi moldada pela grande criatividade de cada um. Eu acho que se trata das duas coisas. Alguns traços de personalidade, como ser aventuroso ou inquieto, podem impulsionar um indivíduo a ser mais criativo. Por outro lado, ser criativo e bem-sucedido em uma área de atuação dá a confiança necessária para ir além de onde normalmente se teria ido.
ISTOÉ – Os processos cerebrais que culminam na produção de algo altamente criativo são os mesmos na arte e na ciência?
Wisberg – Há diferenças. A ciência lida com coisas que estão no mundo. Se James Watson e Francis Crick (os descobridores da estrutura do DNA) não existissem, outra pessoa teria descoberto a dupla hélice. Na arte é diferente. Se não houvesse Picasso, jamais haveria (o quadro) Guernica. Também é verdade que a ciência precisa de imaginação. Watson e Crick imaginaram que havia uma dupla hélice no DNA. Já Picasso precisou do mundo exterior. Ele se baseou em coisas que foram feitas no passado, como, por exemplo, a obra de Goya, para produzir os desenhos em Guernica. Nesse sentido, não é possível dizer que os processos mentais nessas duas áreas são totalmente iguais ou totalmente distintos. Eles se sobrepõem.
ISTOÉ – Qual a importância do erro?
Weisberg – Ainda não tenho certeza se os erros são realmente importantes ou se eles simplesmente acontecem. Se uma pessoa começa um projeto e não sabe tudo sobre ele, cometer erros é normal. São os erros que dizem o que não funciona. Sabendo isso de antemão, o caminho para realizar algo fica mais curto.
ISTOÉ – O sr. acha que a criatividade é supervalorizada hoje?
Weisberg – É verdade que as pessoas dão uma atenção fora do comum ao tema. Se, a partir disso, surge uma crença de que apenas poucas pessoas são realmente criativas e por isso mais importantes do que o restante, acho que, nesse sentido, a resposta é sim. Mas, se enxergarmos em uma perspectiva mais ampla, a criatividade está em tudo o que fazemos. Pensando assim, a resposta é não.
ISTOÉ – Como os pais podem ajudar a desenvolver a criatividade dos filhos?
Weisberg – Estimulando-os o tempo todo. Não os deixando loucos com coisas demais, claro, mas expondo-os o máximo possível. É preciso lembrar que a criança deve expressar suas preferências de forma natural. Ficar o tempo todo repetindo que ela vai ser um astro do esporte ou um virtuose em algum instrumento não é a melhor forma de estimulá-la. Os pais devem prover as oportunidades. Criar um ambiente propício para o desenvolvimento dos talentos da criança.
ISTOÉ – E qual o papel da escola nesse desenvolvimento?
Weisberg – Há quem diga que a escola atrapalha um pouco, na medida em que absorve demais a criança com tarefas variadas. Eu não acho que seja assim. A escola tem de mostrar às crianças o que os grandes gênios fizeram e a forma como eles alcançaram seus feitos, sem colocá-los em um pedestal.
ISTOÉ – Crianças altamente criativas deveriam ser colocadas em escolas ou classes diferenciadas, para desenvolver melhor suas habilidades?
Weisberg – Não sou um educador e por isso não tenho certeza se faria uma grande diferença separar o aluno muito criativo do restante.
ISTOÉ – Qual o papel da criatividade no ambiente de trabalho?
Weisberg – Hoje se vê que muitas empresas tentam organizar o ambiente de trabalho para enchê-lo o máximo possível com elementos que estimulem a criatividade. Algumas dizem a seus funcionários: passe 20% do tempo pensando apenas em coisas que digam respeito a você e não ao trabalho.
ISTOÉ – E isso traz resultados?
Weisberg – Claro. Em empresas que criam um ambiente propício para estimular a criatividade de seus funcionários, as grandes idéias costumam vir de baixo para cima, e não o contrário. A Toyota é um exemplo disso. Todos os funcionários, da idealização à linha de montagem, são estimulados a opinar sobre o que funciona e o que poderia ser melhorado no carro que estão produzindo.
ISTOÉ – Em ambientes de trabalho mais formais, o que se vê é o contrário: o supercriativo é deixado de lado na hora das grandes decisões. Por que isso acontece?
Weisberg – É uma questão intrigante e eu não entendo por que isso ocorre. Há empresas que são conhecidas como fábricas de idéias, onde tudo é informal. Os funcionários podem trabalhar vestindo bermudas, e ninguém usa terno e gravata. Na Califórnia existe um punhado delas. Eles têm pranchas de surfe penduradas na parede e quem quiser ir à praia pegar umas ondas pode fazê-lo sem problemas. A idéia é deixar a pessoa livre para perseguir suas idéias. É o chamado “pensamento fora da caixa” (do inglês, out of the box thinking). Acontece que isso não é a base da criatividade, e, nesse sentido, a distinção entre pessoas altamente criativas e o restante de nós está errada. Gênios podem funcionar tão bem quanto a média da população na tomada de decisões e deveriam ser estimulados a fazer isso assim como são estimulados a desenvolver seu trabalho criativo.
ISTOÉ – É comum a associação entre grande criatividade e doença mental, como transtorno bipolar ou esquizofrenia. Existe hoje evidência científica suficiente para fazer essa relação?
Weisberg – Não. E é preciso ter cuidado com essa associação. Já há evidência de que uma pessoa com tendência à bipolaridade pode ficar maníaca quando consegue atingir uma meta que foi perseguida com afinco, como pintar um quadro ou desenvolver uma nova invenção. Esse é um dos motivos pelos quais se tende a relacionar loucura e criatividade. Mas nem sempre é assim. Também se sabe que, quando estão no auge das fases depressiva ou eufórica, essas pessoas não conseguem trabalhar bem. Muitos artistas crêem que parar de tomar a medicação vai deixá-los mais criativos para produzir suas obras, e o que acontece é terrível: muitos cometem suicídio. A relação entre loucura e genialidade é complicada demais para ser reduzida a uma simples associação com a prevalência de doença mental em pessoas altamente criativas.
ISTOÉ – Os recursos disponíveis hoje para desenvolver as capacidades humanas estão cumprindo seu objetivo?
Weisberg – Eles ajudam muito. Quando, há dois séculos, um pensador cujo nome não lembro agora vaticinou que já não havia mais nada para inventar, Albert Einstein apareceu e virou tudo de cabeça para baixo. No início deste novo milênio, muito se especulou sobre o que aconteceria com a humanidade e a verdade é que ninguém sabe. Acho que sempre será assim. Quando achamos que nada mais pode ser inventado, é só sentar e esperar o dia seguinte.
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